Os limites impostos pelo Governo de sua majestade o rei de Angola à contratação de trabalhadores estrangeiros não residentes, por um máximo de 36 meses e com pagamentos exclusivamente em kwanzas, duraram pouco mais de um mês, tendo sido revogados esta semana.
Em causa está o decreto presidencial de 6 de Março que regularia o exercício da actividade profissional do trabalhador estrangeiro não residente, e que visava, segundo o texto do documento, “regulamentar” esta actividade, “de modo a permitir um tratamento mais equilibrado” entre nacionais e expatriados.
A versão inicial proibia o pagamento de salários em moeda estrangeira a estes trabalhadores, cabendo ao banco central decidir o montante das transferências para o exterior, mas foi entretanto abandonada com as alterações ao mesmo decreto, aprovadas pelo Presidente José Eduardo dos Santos.
“A remuneração do trabalhador estrangeiro não residente é paga na moeda acordada entre o trabalhador e o empregador, podendo ser efectuado em moeda estrangeira”, lê-se na nova redacção da mesma legislação, com data de 24 de Abril.
Além disso, é definido igualmente que “a duração do contrato de trabalho” com trabalhadores estrangeiros “é livremente acordada entre o empregador e o trabalhador, podendo o contrato ser renovado duas vezes”.
Sobre trabalhador estrangeiro não residente entende-se um cidadão de outra nacionalidade, que “não residindo em Angola, possua qualificação profissional, técnica ou científica, em que o país não seja auto-suficiente, contratado em país estrangeiro para exercer a sua actividade profissional em território nacional por tempo determinado”.
Na anterior versão da legislação, que esteve em vigor por pouco mais de um mês, estava definido que o contrato de trabalho, ao abrigo deste regime, só podia ser “sucessivamente renovado até o limite de 36 meses” e que as empresas abrangidas só devem contratar “até 30% de mão-de-obra estrangeira não residente”.
Os restantes 70% das vagas – obrigação que se mantém – deverão ser preenchidas “por força de trabalho nacional”, referindo-se este último a cidadãos angolanos e estrangeiros com estatuto de residente.
“A remuneração é paga em kwanzas, não devendo os complementos e demais prestações [ser] pagas directa ou indirectamente em dinheiro ou espécie, ser superior a 50% sobre o salário base”, estipulava a anterior versão, que assim limitava a forma de pagamento a estes trabalhadores, nomeadamente o acesso a moeda estrangeira.
Estes trabalhadores continuam a não ser abrangidos pelo pagamento de impostos, mas a nova lei define, por outro lado, que caberá ao Banco Nacional de Angola definir os montantes e tectos máximos das transferências (para o exterior) de salários para fora do país (em divisas), decorrente do contrato de trabalho.
As empresas detectadas em situação de incumprimento, define ainda o decreto assinado pelo Presidente da República e Titular do Poder Executivo, José Eduardo dos Santos, incorrem no pagamento de multas até 10 vezes o valor do salário médio praticado.
Angola vive desde finais de 2014 uma profunda crise financeira e económica, decorrente da quebra nas receitas com a exportação de petróleo, com consequências também ao nível cambial, nomeadamente a escassez de divisas.
O que estrangeiro é que é bom?
Que Angola, não por via política mas económica, está a ser dominada por estrangeiros, nomeadamente portugueses, é uma realidade palpável e que tem o contributo decisivo de quem é, ou julga que é, dono disto tudo (leia-se, figuras da cleptocracia do regime).
Pela mão de Isabel dos Santos, Presidente do Conselho de Administração da Sonangol, são às dezenas (mais de uma centena) os portugueses em posições estratégicas na empresa. São sobretudo consultores, nomeadamente advogados.
Embora seja, supostamente, uma empresa pública, a Sonangol deveria contratar esses quadros superiores através de um concurso público internacional. Mas não. A única lei é a do “quero, posso e mando” de Isabel dos Santos, a que se junta a certeza de que a troco de chorudos ordenados os contratados ajoelham-se, rezam e beijam a mão da santa… Isabel.
“A Sonangol tem o mandato do povo angolano para gerir a sua maior fonte de riqueza. Passados 41 anos da independência, essa fonte de riqueza – que há muito está a saque pela família presidencial – é entregue de bandeja a um grupo de portugueses cujo respeito pelos interesses do povo angolano e cujas competências de gestão devem ser questionados e esclarecidos”, escrevia em Junho do ano passado Rafael Marques de Morais.
Quem por cá tem formação fica na lista de espera, interrogando-se sobre a real capacidade técnica desses estrangeiros contratados a peso de ouro. É verdade que esses técnicos têm uma clara vantagem sobre os nossos. Comem bem e calam-se. Finda a comissão de serviço vão mamar para outro lado, pouco se importando o estado em que deixam o país. Já os angolanos ficam cá.
Aliás, a atitude da Sonangol – porque paradigmática – revela igualmente a incompetência do MPLA que ao longo de 41 anos, bem como a do seu líder (há 38 anos), não conseguiu formar quadros capazes para assumirem os destinos do país em todas as áreas, da economia, da política, da saúde, do ensino etc..
“Mais chocante ainda é o facto de a Sonangol gastar, há décadas, dezenas de milhões de dólares anuais na formação de quadros no exterior do país”, diz Rafael Marques de Morais, que depois ficam por aí a vaguear e a constatar que, afinal, a Sonangol contrata estagiários estrangeiros que andam por cá a aprender que as mangueiras não produzem loengos.
É evidente que esses consultores, assessores e similares que Lisboa exporta para Luanda nunca dirão – ao contrário do que poderia acontecer com técnicos angolanos – que a filha de sua majestade tem uma rara concepção de gestão. Ou seja, que ela entra com a experiência e o país com o dinheiro, sendo que no final ela fica com o dinheiro e o país com a experiência…
Então como é que se reestrutura uma empresa, sendo que essa foi, ou é, a principal missão de Isabel dos Santos numa empresa tecnicamente falida, a Sonangol?
Vejamos um exemplo clássico. Cinco empresas de top decidem fazer uma corrida de regatas: 16 + timoneiro. Cada equipa representando o seu país: Japão, Coreia do Norte, Suécia, EUA e Angola! A regata realiza-se nas águas turvas do Capitalismo, agitadas pela globalização cuja meta é o sucesso económico e o bem-estar social dos diferentes povos que representam.
As equipas apresentam-se com as seguintes constituições:
Japão: 1 Director + 1 Consultor + 15 Remadores.
Coreia do Norte: 1 Alto dirigente do Partido + 3 Supervisores do Partido + 6 elementos do Exército e da Polícia Secreta + 7 camaradas remadores.
Suécia: 1 Director + 1 Sociólogo + 1 analista + 14 remadores.
EUA: 1 Director + 2 Chefes de Sector + 2 Cientistas + 1 Sindicalista + 11 remadores.
Angola: 1 Director Geral + 3 Vices + 6 elementos do Conselho de Administração + 4 Chefes de Sector + 2 Chefes de Departamento + 1 remador.
A classificação foi a seguinte: 1º Japão, 2º EUA, 3º Suécia, 4º Angola e em 5º a Coreia do Norte – não conseguiu encontrar a meta perdidos que estavam com as orientações do “querido líder” Kim Jong-un.
Isabel dos Santos, nesta situação, chamaria os assessores e consultores estrangeiros para analisar o mau resultado e, em conjunto, concluiriam que o remador devia ser despedido…
Folha 8 com Lusa